Biografia da Mãe
A Mãe, como Sri Aurobindo, não pode ser descrita em uma biografia. A apresentação dos fatos que marcaram sua vida são apenas pistas de uma força poderosa de organização, de efetivação, educação, sensibilidade e harmonia a serviço de um ideal: o aperfeiçoamento humano. Ela se interessava e integrava os mais diversos aspectos da vida e formava com Sri Aurobindo uma parceria ímpar. Juntos eles expressavam a fecunda e infinita convivência entre a matéria e o espírito.
Mirra Alfassa, nasceu em Paris em 1878, é conhecida pelo cognome de Mãe, mais ainda, seus discípulos a chamavam de: Doce Mãe. Certamente o nome Mãe está ligado ao seu papel maternal, acolhedor e amoroso no Ashram, mas remete especialmente a figura da Mãe no hinduísmo.
“A Mãe é a força consciente divina que domina toda a existência, una, e ao mesmo tempo de tantos aspectos que é impossível seguir seu movimento, mesmo para a mente mais veloz e para a inteligência mais livre e mais vasta.”
(Sri Aurobindo. A Mãe. Casa Sri Aurobindo, 1976, p. 36.)
“A Mãe é a Energia Divina, Consciência-Força do Supremo, seu poder de manifestação.”
(Sri Aurobindo. A consciência que vê. Vol.I, Casa Sri Aurobindo, 1973, p. 104, notas.)
A Mãe é a outra face do Um invisível; ela o manifesta e o realiza na variedade infinita de tudo que existe. Mirra representava esta Mãe e, embora participasse com Sri Aurobindo da elaboração reflexiva do Ioga Integral, seu papel revelava-se especialmente na construção de espaços que permitiam a realização desse Ioga; entre eles a fundação do Ashram, do Centro Internacional de Educação Sri Aurobindo e da cidade de Auroville. Estas expressões de seu talento visavam sustentar dinamicamente o trabalho de manifestação de uma consciência mais alta no planeta.
O primeiro encontro entre Sri Aurobindo e a Mãe ocorreu no dia 29 de Março de 1914. Foi mediado por Paul Richard, seu marido que estava em Pondicherry tratando de assuntos políticos, ao mesmo tempo em que reconhecendo o talento filosófico-espiritual de Sri Aurobindo, visava criar com ele uma revista que expusesse seu pensamento na Europa. Esta revista foi efetivamente criada e se chamou Arya, seu primeiro número apareceu em 15 de Agosto de 1914, dia em que Sri Aurobindo completava 42 anos. Entre 1914 e 1920 ele escreveu nesta revista, aproximadamente cinco mil páginas que posteriormente originariam suas principais obras.
No dia do encontro entre Sri Aurobindo e a Mãe, dia 29 de Março, Paul Richard falou com Sri Aurobindo pela manhã, Mirra o encontrou à tarde, às 15:30 na Rua François Martin, 41, e assim relatou sua experiência :
“Eu subi a escadaria e ele estava lá, esperando por mim no topo da escada: exatamente como em minha visão. Vestido da mesma forma, na mesma posição de perfil, sua cabeça erguida. Ele girou sua cabeça em minha direção e eu vi em seus olhos que era Ele.”
(Verkhem, Georges Van. The Mother.The Story of Her Life.Harper Collins Publishers, India, p.89)
Ele, cuja presença ela via em sonhos e chamava de Krishna. Mirra, ainda muito jovem tinha experiências místicas e encontrava-se, em sonhos, com vários instrutores espirituais. Com o passar do tempo, o encontro com Krishna nestes sonhos tornou-se mais frequente e, ela sabia que deveria conhecê-lo pessoalmente, e realizar com ele uma grande missão. Ao vê-lo, reconheceu-o imediatamente, mas o trabalho entre ambos só pode ser realizado mais tarde, porque ela retornou a França no início de 1915 em função da Primeira Guerra Mundial.
Sri Aurobindo realizava neste período um profundo mergulho espiritual, na companhia de seus parceiros revolucionários que o seguiram no exílio. Se dedicava a descoberta de níveis cada vez mais profundos e altos de consciência através de uma disciplinada concentração. Percebia, entretanto, que precisava avançar mais em seu caminho, e que precisava de auxílio para realizá-lo, disse posteriormente:
“… a Sadhana e o trabalho estavam esperando a Mãe.”
(Sri Aurobindo, A estória de sua vida. Projeto Cultural Mãe Índia, 1990,p.118.)
Mirra retornou a Pondicherry em 1920, lá tornou-se a Mãe, e permaneceu até o final de sua vida. A partir de sua chegada começou a organizar o cotidiano das 24 pessoas que compunham o grupo de discípulos de Sri Aurobindo. Havia tudo por fazer, alimentação, higiene, habitação, pois como ele dizia: o Divino nunca deixa de prover, mas às vezes o faz na última hora. Sua presença promoveu também uma mudança na relação entre Sri Aurobindo e seus discípulos, eles começaram a vê-lo através do olhar da Mãe, como uma pessoa que tinha uma tarefa divina a realizar, tarefa em prol da humanidade. Passaram então a respeitá-lo com um instrutor espiritual.
O caminho exigente que Sri Aurobindo trilhava o compeliu a retirar-se em 1926 do convívio com as pessoas que o cercavam; permaneceu neste retiro até sua morte em 1950. A Mãe, a partir de então, passou a organizar tanto as atividades externas, quanto a orientação espiritual dos discípulos, e como chegavam pessoas de todas as partes do mundo para viver esse Ioga, a Mãe realizou o projeto de ambos e, neste mesmo ano, fundou o Ashram Sri Aurobindo.
Sri Aurobindo e a Mãe nunca pensaram em um Ashram como um lugar que afastasse as pessoas do mundo, ao contrário, viam o mundo e a vida comum como o lugar de uma transformação real, porque tudo pode ser aperfeiçoado tendo em vista o Divino. Sri Aurobindo dizia:
“Não é para renunciar ao mundo que este Ashram foi criado, mas como um centro ou terreno de experiência para evolução de uma nova forma de vida.” “É pela união da vida interior e da vida exterior que a humanidade finalmente será elevada e que se tornará poderosa e divina.”
(Satprem. Sri Aurobindo ou A aventura da consciência. São Paulo: Perspectiva, 2011,p.319)
“Sri Aurobindo concebia o Ashram como um vasto laboratório, um campo de experiência, onde todas as dificuldades básicas da natureza humana,todos os problemas são enfrentados e conquistados. Todo tipo de trabalho é feito, todas as profissões estão representadas; pois qualquer tipo de trabalho quando dedicado ao Divino torna-se um meio de autodescoberta, de autorrealização ,de unidade com a Verdade de nosso ser.”
(Sri Aurobindo, A estória de sua vida. Projeto Cultural Mãe Índia, 1990,p.141.)
Sri Aurobindo e a Mãe sonhavam juntos; a Mãe realizava estes sonhos e Sri Aurobindo reconhecia seu papel fundamental:
“Todas as minhas realizações teriam permanecido pura teoria, por assim dizer, se a Mãe não me mostrasse o caminho de forma prática.”
(Vicente Merlo. Os ensinamentos de Sri Aurobindo: o Yoga Integral e o caminho da vida. São Paulo: Pensamento, 2010,p. 174.)
Em 1951, um ano após a morte de Sri Aurobindo, a Mãe deu mais um passo, inaugurou o Centro Internacional de Educação Sri Aurobindo. Desde 1943, ela trabalhava em um projeto de educação com crianças visando uma formação integral onde não só o mental, mas também o físico, o vital e o espiritual eram reconhecidos e desenvolvidos. Faculdades de Ciências, Línguas, Humanidades, Educação Física foram criadas neste Centro, que também se dedicava a música, pintura, artes dramáticas, dança, e incluía laboratórios e livrarias. No Centro de Educação, a Mãe procurava despertar os discípulos para a nova consciência que gradualmente iria se manifestando na Terra, realizou neste sentido centenas de contatos com os estudantes, as conhecidas “Entrevistas”, relatadas por Satprem, seu discípulo.
Para coroar sua obra em 1968, a Mãe colocou a pedra fundamental da cidade de Auroville. Na urna de sua fundação, misturavam-se os solos de cento e vinte países do mundo, junto ao solo do Ashram e da própria Auroville.
“Uma cidade modelo, um símbolo da unidade humana e da fraternidade mundial… Cidade da Aurora, Cidade de Sri Aurobindo.”
(Sri Aurobindo, A estória de sua vida. Projeto Cultural Mãe Índia, 1990,p.143.)
Para nela viver, a Mãe estabeleceu uma condição: Se deveria ser um servidor voluntário da Consciência Divina.
A tarefa de uma dedicação mais ao Ioga, fez com que em 1958 a Mãe cessasse suas atividades públicas. Quatro anos depois, em 1962, ela mergulhou ainda mais em sua realização e foi para seus aposentos, aprofundá-lo no silêncio e na solidão, lá permaneceu até sua morte, com 95 anos, em 1973. Durante este período, entregou-se ao Ioga das Células, descobrindo possibilidades na Vida e na Matéria que permitiriam um novo salto evolutivo para humanidade.
Ela que era artista, musicista, pintora, pianista e também matemática, deixou uma grande obra com seis mil páginas, que se organizam em 13 volumes, chamados de Agenda.
* Recomendamos que os textos do blog sejam lidos duas ou três vezes, se possível com intervalo entre as leituras. Percebemos que cada vez que retomamos um texto de Sri Aurobindo ou da Mãe, ele nos ensina algo que ainda não havíamos notado.